2010-01-25

o tempo que é


é um compasso
passo a passo
esse passo
que passo é
uma estação
uma estrada
um caminho
uma via
um tempo
de vida
o tempo
que via
o tempo de ir e voltar
o tempo de acontecer
o tempo descoberta
ciclo tempo de ser

Pedro

2010-01-24

Inês de Medeiros


vai Inês formosa
e que segura

na carteira o ouro
paga certa atempada
de representante do povo
que anda de cara parva;
ela que habita Paris
vem a Lisboa num triz
quando estala o verniz
de saber do porquê
dessa origem o jaez
de coisa assim como roubo
de ser um pobre País
a pagar vida de rei

na fábula era o rei
aqui vai o País nu
sem dinheiro para a tanga
há dinheiro para Paris

vai Inês formosa
e que segura
na carteira o ouro
representas que povo?

Pedro

2010-01-23


viver-me o tempo de dentro faz-me isto de marulhar-te ao ouvido um tempo rico

ah como esta riqueza é tão de graça que é toda a riqueza

Pedro

Serração II


Com o tempo vem a noção de perspectivas diferentes. Não é só o tempo de crescimento. Ou todos os tempos de crescimento. O da idade, que o tempo impõe. O de dentro, que nos fazemos.

Em nuances não adivinhadas havia limites impostos, poucos, sem controlo, mas eficazes. Lembro-me de me ouvir gritarem, poços. Numa terra onde água sinonimava poço, com mais ou menos muro, quantos sem, ou tão baixos que era o mesmo, andar livre, correr, poços e terra recorrentes, a palavra poço marcava vida, marcava morte, no reflexo da água o céu, azul, nuvens, eu, e os fantasmas de todos os afogados.

Na casa da tia Lucinda o poço estava à porta da cozinha. Descidos os degraus, dois, balde atirado, a queda ao fundo, o splahsh na água, tentativa de boiar, os ferros de peso, tombava de lado, golfinhava-se de água, força na corda, força, a corda rija, força, a água ali. Na casa da Avó o poço estava longe. A água buscava-se na fonte, pública, ao fundo da ladeira, maldita quando subida a vasilha cheia.

- Ah nino, a talha está quase vazia, vais acartar umas infusas dauga, sim?

Adivinhava-se o corpo dorido. Caretas para dentro escapavam para fora. Oh Vó... Suspiro. Nunca se dizia não.

Pedro

2010-01-22

do tempo escravo fugia


quando o tempo nos passa
não ao lado
por entre
que tempo nos passa
que tempo nos é

ah que gostava de ser tempo

não sei o que fazia
se fazia
se sentia
mas desera escravo do tempo
ou maior escravo seria
em acreditando
que mais escravo é
o amo que o escravo esvazia

Pedro

2010-01-21

Serração I


Lembro-me de um grau de liberdade sem fim. É possível? Sem horário, sem local, sem meta, sem rota, ao impulso do instante. Liberdade inteira. É do que me lembro.

Saía sem me perguntarem onde ia. Andava por onde me apetecia. Com mais ou menos escuro, no céu, voltava. Ao outro dia repetia o dia. Andava, lembro-me de andar, corria pelas fazendas, os sapatos a enterrarem-se, a terra seca revolta, de arados, e por entre tabuleiros, e tabuleiros, os figos ao sol, moles a secar, espalhados, a cor que mudava, com o tempo, e o cheiro, forte fortíssimo. Não me lembro de companhia.

Com fome assomava à porta de quem fosse, perto, à hora que fosse. Pedia comida, bebida. Davam-me sempre. Havia sempre. A deshoras. A horas. Lembro-me de perguntas a que não respondia. Menores.

- Ah nino, a tua mãe sabe por onde tu andas?

A esta respondia sempre.

- Sim.

Pedro

2010-01-20


que linhas
tortas
seguimos
linhas
esperadas
direitas

Pedro

2010-01-19


faça-se
vivo
o poema
a pose dita extrema
a ser-se palavra verbo
o sujeito predicado
rima de sons às cores
formas de sentir olhado
sabores e beijos o lábio molhado

Pedro

2010-01-18

um dia


Olha que não sei. Não sei porquê, a coisa, a causa. Seguimos. Foi uma vontade de apetecer. Há partilhas que não se perguntam, vivem-se. Concordas? Disse-te vou levar-te a um lugar não faças perguntas. E cumpriste. Eu cumpri. Vivemos o tempo do espaço. Não sei como
há espaços que nos transportam onde não somos
Que coisa essa é que me leva me faz, isso que referiste dessa recorrência sobre as minhas palavras do espaço, aquele espaço, que não noto, que não percebo como seja a minha insistência no discurso oral do lugar, as vidas os cheiros os sons
cada lugar vive um tempo
Eu não sei o que o lugar me fez que me faz memória dele
É uma estranheza que me espanta
e no teu reflexo, no que me fazes ver de mim, chego-me de outro modo
disse-te
não sei nem o como nem o quando
um dia será que farei alguma coisa disto
um dia
Olha que sei que mostrar-te o lugar
falar-te dele no silêncio do vento
as paredes do abandono
às silvas a terra mole húmida
sei
um dia

Pedro

2010-01-17


um afecto
dois
carinhos
a dois

Pedro

2010-01-16

do tempo


linha a linha
espaço a espaço
o passo
que palavras passo
o tempo de um espaço

Pedro

2010-01-15


que bom que é
não saber
do caminho livro
p'ra ler
do trabalho oblíquo
p'ra ser
do tempo objecto
p'ra ter
dessa coisa olhar
p'ra ir
não por aí
não por aqui
ir sem ir
ficar sem ficar
viagem completa
um lado luar

Pedro

2010-01-14


por um dia só
à beira de um silêncio
o tempo
de brilho calmo lento

Pedro

2010-01-13


quando sentires
o toque leve
afago doce
do beijo
em ti
isso é
que sentes
o que é sentir
amor

Pedro

2010-01-12


cai uma chuva miúda
espalha pingas na vidraça
arde um fogo na lareira
e o fogo arde amiúde
até à cinza completa
ciclo a vida fértil
terra, ar, chuva amor

Pedro

2010-01-11


vi-te a passar
como se não visse a passar

o gosto lento
de paisagem parada

o sorriso triste
de viagem adiada

o olá surdina
o espaço vago

passei que por ti passavas
silêncios no gesto do olhar

Pedro

2010-01-10

realização


sinto-me realizado profissionalmente
também talvez porque sinto e tenho investido
numa profissão muito descurada
pai

Pedro

2010-01-08

Maria de Lourdes Pintasilgo



Antestreia do documentário sobre Maria de Lourdes Pintasilgo
13/01/2010, 21h00, Auditório 2

O documentário é uma co-produção da RTP e conta com o apoio da Fundação Gulbenkian.

Estreia na RTP2 dia 16 de Janeiro às 21h00.

Pedro

2010-01-07

olhar


tens os olhos de criança
que te fazem os passos grandes

Pedro

que atravesso


o meu silêncio
na cor da sombra dos meus passos

Pedro

2010-01-06

vida


a todos os instantes morro mais um pouco

dou-me por feliz
dou-me por muito feliz
que a cada instante morro feliz

Pedro

2010-01-05

que amor


uma estranha forma de amar
é tão salutar
como um lento suicídio

Pedro

2010-01-04

um obrigado à "boleia" do Chico Buarque


olhos nos olhos, não quero ver o que fazes
olhos nos olhos, não quero ver o que dizes
olhos nos olhos, quero ver-te o olhar
olhos nos olhos, quero tanto feliz

Pedro

2010-01-03

à noite à noite à noite


à noite o tempo espera por mim
entre um tempo que faz
um tempo lento fugaz
tempo sem tempo
só o tempo
de paz

à noite o meu tempo é-me

Pedro

2010-01-02

passadas caminhadas


caminhei
tanto que caminhei
para mim
que para ti
caminhei

Pedro

2010-01-01

sabes


enquanto o tempo passa
saboreia-o
papilativamente
por onde te for melhor

Pedro

sem pressa


não tenhas pressa
o tempo espera sempre até ao próximo segundo

Pedro

primeiro


hoje fiz chá
de Natal

servido num bule
holandês
em cristal deles
com uma base onde leva a chama
para manter quente

a minha mãe fez-me saber a composição
do chá
não do cristal

o meu pai serviu-se copiosamente
no que não foi copiado pela minha mãe
estava muito quente o chá

e a chama fez vista
fez-se vista
olha a chama
disse o meu pai
e a minha mãe olhou

a minha filha também tomou chá
e lembrou-se dos chás na Finlândia
e dos chás em Londres
é poliglota de chás a minha filha
e eu babei-me de chá
e de filha
um babar muito paterno

o meu filho não é de chás
prefere
Uncharted 2: Among Thieves Unravels Mysteries
of Marco Polo’s Voyage

na Playstaion 3
enquanto beberricamos a espaços curtos
viagens virtuais e sabores
planetários

muito caseiro
este meu dia um

Pedro

ao longo do tempo


pus o relógio
abri a janela
saudei a luz
brilhante

chegaste à minha vida
hoje é um novo dia

Pedro

tempo


o tempo é
o que é
o tempo
de ser
descoberta
trânsito
travessia
que o tempo é
viagem
poesia

Pedro